Festejos a Santa Bárbara abrem calendário de festas populares na Bahia Em 4 de dezembro, as ruas do Centro Histórico de Salvador são tomadas pela cor vermelha: é dia de Santa Bárbara, festa secular que abre o calendário dos festejos populares da cidade. Iniciada no século XVII, a tradição começou com um casal de portugueses católicos e, ao longo dos anos, teve elementos de religiões de matriz africana incorporados. Celebrada no Pelourinho, no Centro Histórico de Salvador, nem sempre a festa teve a proporção e visibilidade atuais. Por outro lado, o caráter popular que data mais de 380 anos nunca se perdeu. O g1 entrevistou o doutor em estudos étnicos e africanos pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), Vagner Rocha, que fez da Festa de Santa Bárbara seu projeto de doutorado. O pesquisador, inclusive, virou devoto após conclusão da tese. "Ao longo da pesquisa, conversando com os fiéis, resolvi arriscar e alcancei muitas graças. Amanhã mesmo, no dia Dela, completo quatro anos no meu atual emprego — algo que pedi para Ela", contou. Alvorada de fogos, procissão e apresentações culturais: confira programação dos festejos de Santa Bárbara em Salvador Homenagem de portugueses Ilustração do antigo Morgado de Santa Bárbara, feita por autor anônimo, entre 1764 e 1785 Arquivo do Estado da Bahia De acordo com Vagner Rocha, os festejos começaram com a criação do Morgado de Santa Bárbara — um edifício localizado no Comércio e composto por quatro quarteirões de casas, que pertencia ao casal Francisco e Andressa Lago. O local se tornou um importante ponto comercial na cidade, com aluguel de espaços para comerciantes e forte presença de africanos escravizados. Devoto da santa, o casal também construiu uma capela no local e, no dia 4 de dezembro, fazia homenagens. "Sempre foi uma festa ligada ao povo, aos comerciantes, com a participação dos escravizados que vendiam alimentos na região". 📲 Clique aqui e entre no grupo do WhatsApp do g1 Bahia Mas a celebração teve pouca visibilidade durante muitos anos, por conta do caráter popular e das preparações para a festa da padroeira de Salvador, Nossa Senhora da Conceição da Praia, que acontece apenas oito dias depois, em 8 de dezembro. Incêndio Antigo mercado de Santa Bárbara Fotografia de Rodolpho Lindeman Em 1899, um incêndio em um hotel vizinho ao mercado atingiu a Capela de Santa Bárbara e danificou a estrutura da edificação. Milagrosamente, a imagem da santa não foi comprometida. Devido ao incêndio, as homenagens a Santa Bárbara passaram a ser feitas na área do mercado da santidade, no morgado, e na Igreja do Corpo Santo, também localizada no bairro do Comércio. Nos anos seguintes, o mercado foi destruído e os comerciantes foram transferidos para outro local, na Baixa dos Sapateiros. Assim, as missas em homenagem à santa passaram a ser realizadas em diferentes igrejas do Centro Histórico. "Nos anos 80, a festa passou por um momento difícil. Vendo as imagens de hoje, fica difícil de acreditar, mas o festejo não juntava nem 200 pessoas nesse período", relembrou. A virada de chave aconteceu nos anos 1980, quando a imagem de Santa Bárbara foi doada para a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, fundada em 1685 por negros escravizados do República Democrática do Congo e Angola. Ao doar a imagem, os fieis fizeram três exigências: que a imagem ficasse sempre exposta na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no Pelourinho; que a imagem fosse cuidada e restaurada pela irmandade; que a irmandade organizasse anualmente a Festa de Santa Bárbara. "Na Irmandade, a festa conseguiu se desenvolver ao ponto de não ser mais possível fazer a missa dentro da igreja devido à quantidade de pessoas. Para mim, essa organização faz total sentido com a festa, que sempre foi povo". Hóstia e acarajé Devotos celebram Dia de Santa Bárbara em Salvador Max Haack/Ag Haack Em Salvador, as festas tradicionais normalmente misturam elementos do catolicismo e das religiões de matriz africana. Na festa de Santa Bárbara não é diferente: diante do processo de escravização, em que os africanos eram proibidos de cultuar os orixás, a santa foi associada a Iansã. "Essa associação não é aleatória. Apesar de terem significados diferentes, ambas são representadas pela cor vermelha, pela espada e pelo raio", destacou o pesquisador. 🕯️ De acordo com a crença católica, Santa Bárbara foi degolada com uma espada pelo próprio pai por ter escolhido seguir a religião. Logo depois de matar a filha, o homem foi atingido por um raio. ⚡ Iansã é um orixá guerreira, que controla ventos e tempestades. Devido à associação, a festa tem comidas de dendê, como acarajé e caruru, e reúne católicos e candomblecistas. "Na missa tem hóstia e acarajé", brincou Vagner Rocha. Corpo de Bombeiros e chuva Devotos celebram Dia de Santa Bárbara em Salvador Max Haack/Ag Haack Quando os comerciantes se mudaram para a Baixa dos Sapateiros, o quartel do Corpo de Bombeiros passou a fazer parte do trajeto da procissão. A santa se tornou padroeira dos agentes devido à sua associação com raios, trovões, tempestades e fogo. "É um dos momentos mais emocionantes da procissão, quando a imagem para no Corpo de Bombeiros e os militares fazem a reverência. A água do caminhão-pipa também é abençoada e os fiéis podem se refrescar". Quanto ao tempo, é comum chover no dia 4 de dezembro em Salvador e reportagens antigas de jornais até associam o índice pluviométrico ao humor da santa. Na época em que a festa reunia poucos fiéis, por exemplo, algumas manchetes afirmavam que "Santa Bárbara chorou de tristeza". Veja mais notícias do estado no g1 Bahia. Assista aos vídeos do g1 e da TV Bahia
Chuva, acarajé e proteção aos bombeiros: entenda a história da Festa de Santa Bárbara em Salvador
Escrito em 04/12/2025
Festejos a Santa Bárbara abrem calendário de festas populares na Bahia Em 4 de dezembro, as ruas do Centro Histórico de Salvador são tomadas pela cor vermelha: é dia de Santa Bárbara, festa secular que abre o calendário dos festejos populares da cidade. Iniciada no século XVII, a tradição começou com um casal de portugueses católicos e, ao longo dos anos, teve elementos de religiões de matriz africana incorporados. Celebrada no Pelourinho, no Centro Histórico de Salvador, nem sempre a festa teve a proporção e visibilidade atuais. Por outro lado, o caráter popular que data mais de 380 anos nunca se perdeu. O g1 entrevistou o doutor em estudos étnicos e africanos pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), Vagner Rocha, que fez da Festa de Santa Bárbara seu projeto de doutorado. O pesquisador, inclusive, virou devoto após conclusão da tese. "Ao longo da pesquisa, conversando com os fiéis, resolvi arriscar e alcancei muitas graças. Amanhã mesmo, no dia Dela, completo quatro anos no meu atual emprego — algo que pedi para Ela", contou. Alvorada de fogos, procissão e apresentações culturais: confira programação dos festejos de Santa Bárbara em Salvador Homenagem de portugueses Ilustração do antigo Morgado de Santa Bárbara, feita por autor anônimo, entre 1764 e 1785 Arquivo do Estado da Bahia De acordo com Vagner Rocha, os festejos começaram com a criação do Morgado de Santa Bárbara — um edifício localizado no Comércio e composto por quatro quarteirões de casas, que pertencia ao casal Francisco e Andressa Lago. O local se tornou um importante ponto comercial na cidade, com aluguel de espaços para comerciantes e forte presença de africanos escravizados. Devoto da santa, o casal também construiu uma capela no local e, no dia 4 de dezembro, fazia homenagens. "Sempre foi uma festa ligada ao povo, aos comerciantes, com a participação dos escravizados que vendiam alimentos na região". 📲 Clique aqui e entre no grupo do WhatsApp do g1 Bahia Mas a celebração teve pouca visibilidade durante muitos anos, por conta do caráter popular e das preparações para a festa da padroeira de Salvador, Nossa Senhora da Conceição da Praia, que acontece apenas oito dias depois, em 8 de dezembro. Incêndio Antigo mercado de Santa Bárbara Fotografia de Rodolpho Lindeman Em 1899, um incêndio em um hotel vizinho ao mercado atingiu a Capela de Santa Bárbara e danificou a estrutura da edificação. Milagrosamente, a imagem da santa não foi comprometida. Devido ao incêndio, as homenagens a Santa Bárbara passaram a ser feitas na área do mercado da santidade, no morgado, e na Igreja do Corpo Santo, também localizada no bairro do Comércio. Nos anos seguintes, o mercado foi destruído e os comerciantes foram transferidos para outro local, na Baixa dos Sapateiros. Assim, as missas em homenagem à santa passaram a ser realizadas em diferentes igrejas do Centro Histórico. "Nos anos 80, a festa passou por um momento difícil. Vendo as imagens de hoje, fica difícil de acreditar, mas o festejo não juntava nem 200 pessoas nesse período", relembrou. A virada de chave aconteceu nos anos 1980, quando a imagem de Santa Bárbara foi doada para a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, fundada em 1685 por negros escravizados do República Democrática do Congo e Angola. Ao doar a imagem, os fieis fizeram três exigências: que a imagem ficasse sempre exposta na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no Pelourinho; que a imagem fosse cuidada e restaurada pela irmandade; que a irmandade organizasse anualmente a Festa de Santa Bárbara. "Na Irmandade, a festa conseguiu se desenvolver ao ponto de não ser mais possível fazer a missa dentro da igreja devido à quantidade de pessoas. Para mim, essa organização faz total sentido com a festa, que sempre foi povo". Hóstia e acarajé Devotos celebram Dia de Santa Bárbara em Salvador Max Haack/Ag Haack Em Salvador, as festas tradicionais normalmente misturam elementos do catolicismo e das religiões de matriz africana. Na festa de Santa Bárbara não é diferente: diante do processo de escravização, em que os africanos eram proibidos de cultuar os orixás, a santa foi associada a Iansã. "Essa associação não é aleatória. Apesar de terem significados diferentes, ambas são representadas pela cor vermelha, pela espada e pelo raio", destacou o pesquisador. 🕯️ De acordo com a crença católica, Santa Bárbara foi degolada com uma espada pelo próprio pai por ter escolhido seguir a religião. Logo depois de matar a filha, o homem foi atingido por um raio. ⚡ Iansã é um orixá guerreira, que controla ventos e tempestades. Devido à associação, a festa tem comidas de dendê, como acarajé e caruru, e reúne católicos e candomblecistas. "Na missa tem hóstia e acarajé", brincou Vagner Rocha. Corpo de Bombeiros e chuva Devotos celebram Dia de Santa Bárbara em Salvador Max Haack/Ag Haack Quando os comerciantes se mudaram para a Baixa dos Sapateiros, o quartel do Corpo de Bombeiros passou a fazer parte do trajeto da procissão. A santa se tornou padroeira dos agentes devido à sua associação com raios, trovões, tempestades e fogo. "É um dos momentos mais emocionantes da procissão, quando a imagem para no Corpo de Bombeiros e os militares fazem a reverência. A água do caminhão-pipa também é abençoada e os fiéis podem se refrescar". Quanto ao tempo, é comum chover no dia 4 de dezembro em Salvador e reportagens antigas de jornais até associam o índice pluviométrico ao humor da santa. Na época em que a festa reunia poucos fiéis, por exemplo, algumas manchetes afirmavam que "Santa Bárbara chorou de tristeza". Veja mais notícias do estado no g1 Bahia. Assista aos vídeos do g1 e da TV Bahia

