A trajetória profissional de Marcia Tereza Luz Lisboa foi impecável: ela se aposentou como professora titular da faculdade de enfermagem da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em dezembro de 2019, depois de mais de 30 anos na instituição. Tinha feito mestrado nos Estados Unidos, pela Boston University, e trabalhado como enfermeira registrada no Brigham and Women's Hospital. Ao voltar para o Brasil, além de ser aprovada no concurso para a UFRJ – onde fez o doutorado – também se tornou tradutora de livros sobre os fundamentos da profissão. No entanto, esse é só um pedacinho da história dessa mulher que tive o prazer de conhecer na oficina digital para idosos promovida pela Agência Lupa, tema da coluna de terça-feira. Marcia Lisboa: receita de longevidade baseada em relacionamentos e casamento feliz Mariza Tavares Filha, neta e bisneta de médicos, explica por que não quis seguir a carreira: “vejo as duas profissões com propostas bastante diferentes. A medicina é voltada para o diagnóstico; a enfermagem é focada no cuidado. Cabe à enfermagem traduzir as orientações e viabilizar o tratamento. Em muitas ocasiões, fiz cartazes de cartolina desenhando cada refeição e colando o comprimido que o paciente deveria tomar naquele horário”. Aos seus alunos, deu lições contra o etarismo quando nem tinham esse nome. “A situação era comum: o paciente pegava dois ou três ônibus para chegar no hospital, mas, na hora de ir para a balança para ser pesado, eu precisava chamar a atenção dos alunos, que se referiam àquela pessoa como vovozinho ou vovozinha e queriam levá-la pela mão. Aliás, hoje em dia, numa aula de hidroginástica, a turma não gosta quando o professor fala ‘pezinho, cinturinha’. E por acaso a gente tem cinturinha nessa idade?”, diverte-se, esbanjando jovialidade aos 70 anos. Marcia já tinha tempo de serviço suficiente para se aposentar e decidiu que estava na hora de sair de cena ao perceber que o ambiente acadêmico atravessava uma fase sombria no governo Bolsonaro. “Eu acredito no SUS, acho que Farmácia Popular é indispensável, o que acaba sendo um posicionamento ideológico que não era compartilhado por muitos. Testemunhei alunos filmando professores em sala de aula e isso foi um catalisador para minha decisão”, afirma. Estava disposta a relaxar e aproveitar um merecido descanso, até que veio a pandemia. “Os restaurantes a quilo estavam fechados e minhas amigas me pediam ajuda. Eu ensinava o que íamos comer e meu marido filmava o preparo dos pratos. Logo havia tantos vídeos que eles não cabiam no WhatsApp das pessoas, e resolvemos criar o canal no YouTube. Foi assim que nasceu o Enfermeira na cozinha”, lembra. Aliás, seu círculo social inclui família, amigos de escola que conheceu há mais de 50 anos, colegas de profissão, da academia de ginástica e praticamente de todos os lugares por onde passou. Marcia é do tipo que assa um bolo ou faz uma sopinha para os vizinhos... Enfermeira na cozinha em ação: "comida é afeto" Acervo pessoal O canal tem mais de cem receitas – agora as postagens são esporádicas, porque o marido trabalha remotamente – e alguns hits, como a cenoura caramelizada e a mousse de coco, além de alguns incidentes hilários, como um creme de espinafre que pegou fogo durante o preparo. “Comida passa pelo afeto. Aos 9 anos, eu fazia waffles para os amigos dos irmãos”. Em um segundo casamento que já dura 34 anos e mãe de dois filhos (um de cada união), ela dá a receita do seu alto astral: “todos nós enfrentamos desafios e obstáculos, mas o importante é apostar no positivo. Quando perguntam a um casal que está junto há muito tempo qual é o segredo para manter o relacionamento, a resposta costuma ser paciência, tolerância. Para mim, isso não é fórmula de um casamento, é o jeito de aguentar um trabalho. Casamento tem que ter sexo, alegria, diversão!”.
Enfermeira na cozinha: receitas para a longevidade
Escrito em 04/12/2025
A trajetória profissional de Marcia Tereza Luz Lisboa foi impecável: ela se aposentou como professora titular da faculdade de enfermagem da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em dezembro de 2019, depois de mais de 30 anos na instituição. Tinha feito mestrado nos Estados Unidos, pela Boston University, e trabalhado como enfermeira registrada no Brigham and Women's Hospital. Ao voltar para o Brasil, além de ser aprovada no concurso para a UFRJ – onde fez o doutorado – também se tornou tradutora de livros sobre os fundamentos da profissão. No entanto, esse é só um pedacinho da história dessa mulher que tive o prazer de conhecer na oficina digital para idosos promovida pela Agência Lupa, tema da coluna de terça-feira. Marcia Lisboa: receita de longevidade baseada em relacionamentos e casamento feliz Mariza Tavares Filha, neta e bisneta de médicos, explica por que não quis seguir a carreira: “vejo as duas profissões com propostas bastante diferentes. A medicina é voltada para o diagnóstico; a enfermagem é focada no cuidado. Cabe à enfermagem traduzir as orientações e viabilizar o tratamento. Em muitas ocasiões, fiz cartazes de cartolina desenhando cada refeição e colando o comprimido que o paciente deveria tomar naquele horário”. Aos seus alunos, deu lições contra o etarismo quando nem tinham esse nome. “A situação era comum: o paciente pegava dois ou três ônibus para chegar no hospital, mas, na hora de ir para a balança para ser pesado, eu precisava chamar a atenção dos alunos, que se referiam àquela pessoa como vovozinho ou vovozinha e queriam levá-la pela mão. Aliás, hoje em dia, numa aula de hidroginástica, a turma não gosta quando o professor fala ‘pezinho, cinturinha’. E por acaso a gente tem cinturinha nessa idade?”, diverte-se, esbanjando jovialidade aos 70 anos. Marcia já tinha tempo de serviço suficiente para se aposentar e decidiu que estava na hora de sair de cena ao perceber que o ambiente acadêmico atravessava uma fase sombria no governo Bolsonaro. “Eu acredito no SUS, acho que Farmácia Popular é indispensável, o que acaba sendo um posicionamento ideológico que não era compartilhado por muitos. Testemunhei alunos filmando professores em sala de aula e isso foi um catalisador para minha decisão”, afirma. Estava disposta a relaxar e aproveitar um merecido descanso, até que veio a pandemia. “Os restaurantes a quilo estavam fechados e minhas amigas me pediam ajuda. Eu ensinava o que íamos comer e meu marido filmava o preparo dos pratos. Logo havia tantos vídeos que eles não cabiam no WhatsApp das pessoas, e resolvemos criar o canal no YouTube. Foi assim que nasceu o Enfermeira na cozinha”, lembra. Aliás, seu círculo social inclui família, amigos de escola que conheceu há mais de 50 anos, colegas de profissão, da academia de ginástica e praticamente de todos os lugares por onde passou. Marcia é do tipo que assa um bolo ou faz uma sopinha para os vizinhos... Enfermeira na cozinha em ação: "comida é afeto" Acervo pessoal O canal tem mais de cem receitas – agora as postagens são esporádicas, porque o marido trabalha remotamente – e alguns hits, como a cenoura caramelizada e a mousse de coco, além de alguns incidentes hilários, como um creme de espinafre que pegou fogo durante o preparo. “Comida passa pelo afeto. Aos 9 anos, eu fazia waffles para os amigos dos irmãos”. Em um segundo casamento que já dura 34 anos e mãe de dois filhos (um de cada união), ela dá a receita do seu alto astral: “todos nós enfrentamos desafios e obstáculos, mas o importante é apostar no positivo. Quando perguntam a um casal que está junto há muito tempo qual é o segredo para manter o relacionamento, a resposta costuma ser paciência, tolerância. Para mim, isso não é fórmula de um casamento, é o jeito de aguentar um trabalho. Casamento tem que ter sexo, alegria, diversão!”.

