Quem contratou o Fies até 2017 tem dinheiro a receber e pode ter os juros zerados? Entenda os riscos de propostas virais

Escrito em 03/12/2025


Prazo para renegociações de dívidas do Fies segue até 31 de dezembro de 2026 Têm circulado nas redes sociais vídeos que garantem que quem assinou contrato do Fies até 2017 pode ter os juros zerados e ainda pode receber de volta parte dos valores já pagos. Mas o g1 apurou que não é bem assim, e que uma ação judicial pode resultar em ainda mais dívidas para o estudante. Em geral, os vídeos são publicados em perfis de advogados e escritórios de advocacia, e têm tons alarmistas, generalistas e utilizam de clickbaits (estratégia que utiliza títulos e imagens sensacionalistas e exagerados para atrair cliques) para oferecer serviços. Advogados prometem renegociação de juros e recebimento de valores já pagos do Fies. Especialista alerta para riscos. Reprodução/Redes sociais As duas principais propostas são: Revisão judicial de contratos do Fies assinados até 2017 para aplicação da taxa de juros zero. Recuperação de até 40% dos valores já quitados, referentes aos juros. No entanto, Henrique Silveira, sócio de educação do escritório de advocacia Mattos Filho explica que o precedente legal em vigor é contrário às propostas dos vídeos. Ele diz ainda que, caso não vença a ação judicial, o estudante ainda pode precisar arcar com os custos do processo. (Entenda mais abaixo.) O g1 procurou o Ministério da Educação e a Advocacia-Geral da União para entender a posição dos órgãos diante destes casos, mas não teve retorno até o fechamento da matéria. O espaço segue aberto. As propostas dos vídeos A justificativa apresentada nos vídeos é de que, desde 2018, o Fies, que é o Fundo de Financiamento Estudantil, têm taxa de juros zero para os novos contratos — diferente dos financiamentos contratados até então, nos quais os juros variavam de 3,4% até 6,5% ao ano. São usados termos técnicos como retroatividade (extensão dos efeitos de uma lei para o passado), taxas abusivas (quando há cobrança exagerada, excessiva, desproporcional ou indevida que não tenha justificativa ou esteja escondida em contratos) e princípio da isonomia (que garante que todos sejam tratados de forma igual perante a lei, sem discriminações) que chamam atenção, mas dependem de interpretação. Na teoria, o argumento dos advogados é simples: se os novos contratantes não pagam por essas taxas, os antigos contratantes também não devem pagar, e merecem reaver os juros que já pagaram até aqui. Na prática, não é bem assim: em setembro deste ano, a Advocacia-Geral da União (AGU) conseguiu, por meio de uma decisão da Turma Nacional de Uniformização da Justiça Federal (TNU), derrubar a aplicação da retroatividade da taxa de juros real zero aos contratos do Fies firmados até 2017. A decisão ainda vigora e estabelece um precedente para possíveis casos semelhantes. Henrique Silveira explica que a decisão favorável à AGU não anula a possibilidade de que o tema seja reavaliado judicialmente. “Basta que os advogados ingressem com ações fora dos juizados especiais (atribuindo à causa valor superior a 60 salários-mínimos ou por meio de outras estratégias, com requerer perícia), que poderão continuar a discutir o assunto.” No entanto, o prejuízo pode ser alto para quem perde o processo: As pessoas que não obtiverem gratuidade da justiça, porém, correrão o risco de ter que arcar com honorários de sucumbência caso percam as causas (ou seja: pagar valores à AGU, que podem ser fixados em até 20% sobre o valor da causa, podendo ser menor conforme o valor da ação). O especialista diz que a vitória da AGU na decisão da TNU dificulta um parecer favorável para os estudantes, e acredita que a mesma lógica deve ser adotada também pelos Tribunais Regionais Federais (TRFs) que recebam eventuais causas semelhantes. A vitória da AGU Na ocasião do parecer favorável, a Advocacia-Geral da União celebrou a vitória e disse em nota que a decisão evitava “um prejuízo potencial de mais de R$ 90 bilhões aos cofres públicos”, além de garantir “ a continuidade de um dos principais programas sociais do governo.” A autarquia havia argumentado que decidir em favor da anulação dos juros dos processos antigos seria inconstitucional e acarretaria problemas fiscais. Além disso, também contestou a tese de que os contratos a juros zero sejam mais vantajosos que os anteriores: “Apesar de os contratos do Novo Fies preverem juros zero, eles também estabelecem correção monetária pelo IPCA, o que não garante benefícios para os estudantes, uma vez que em períodos de alta inflação as taxas podem ultrapassar aqueles firmados nos contratos de 2017”, disse em nota. O Novo Fies Em 2017, o governo federal anunciou uma série de mudanças na lei do Fies e no funcionamento do programa que valeriam a partir de 2018. O principal objetivo das mudanças era combater a taxa de inadimplência dos estudantes a serem financiados a partir do ano seguinte. A principal mudança era a anulação dos juros — que, até então, poderiam ser de até 6,5% ao ano — em favor de uma correção monetária do valor do contrato pelo IPCA. Na ocasião, o Fies já tinha passado por diversas outras mudanças e era alvo de críticas por seu impacto nos gastos do governo federal. Com as mudanças, a ideia era que o programa voltasse a ser considerado vantajoso. Possibilidades de renegociação Em 2022, o governo federal anunciou uma medida voltada para os estudantes com contratos do Fies que estavam inadimplentes. A iniciativa permitia que estudantes que formalizaram o contrato de financiamento até 2017 e estavam com mais de 90 dias de atraso no pagamento das parcelas renegociassem as dívidas com descontos de até 92%. Após o sucesso da primeira edição, as janelas de renegociação aconteceram em outros momentos, com mudanças no público-alvo. Atualmente, podem renegociar as dívidas estudantes com contratos a partir de 2018. Veja mais informações aqui.