Família de MS luta para conseguir remédio para criança com síndrome de hunter O garoto Oliver Chu, de três anos, surpreendeu médicos com sua recuperação após se tornar o primeiro paciente no mundo com síndrome de Hunter, uma doença devastadora, a receber uma terapia genética inovadora. A síndrome de Hunter (ou MPS II) é uma condição rara e hereditária que causa danos progressivos ao cérebro e outras partes do corpo. Nos casos mais graves, pacientes não costumam sobreviver além dos 20 anos, e os efeitos da síndrome são comparados a uma forma de demência infantil. Oliver Chu é o primeiro de cinco meninos no mundo a receber o tratamento Arquivo Pessoal Antes do tratamento, Chu não produzia uma enzima essencial para a saúde das células devido a um gene defeituoso. Mas equipes médicas em Manchester (Reino Unido) tentaram interromper o avanço da doença alterando as células de Chu por meio da terapia genética. O professor Simon Jones, que co-lidera o estudo, disse à BBC: "Esperei 20 anos para ver um menino como Chu progredindo tão bem, e é simplesmente emocionante." No centro desta história está Chu, o primeiro de cinco meninos no mundo a receber o tratamento, e a família dele, da Califórnia, que depositou sua confiança na equipe médica do Royal Manchester Children's Hospital. Um ano após o início da terapia, Chu aparenta se desenvolver normalmente. "Toda vez que falamos sobre isso eu quero chorar, porque é simplesmente incrível", diz a mãe, Jingru. A BBC acompanha a trajetória de Oliver Chu há mais de um ano, incluindo o desenvolvimento da terapia genética pioneira por cientistas no Reino Unido e os desafios financeiros que quase impediram o início do ensaio clínico. Remoção de células-tronco – Dezembro de 2024 A síndrome de Hunter ocorre quase sempre em meninos. É extremamente rara: atinge 1 em cada 100 mil nascimentos masculinos no mundo BBC Conhecemos Oliver Chu e seu pai, Ricky, em dezembro de 2024, no centro de pesquisas clínicas do Royal Manchester Children's Hospital. Era um dia importante. Desde o diagnóstico de síndrome de Hunter, em abril daquele ano, a rotina de Chu — e também a do irmão mais velho, Skyler, que tem a mesma condição — se resume a idas frequentes ao hospital. Skyler tinha apresentado atraso na fala e na coordenação, inicialmente associado ao fato de ter nascido durante a pandemia de covid. Ricky diz que o diagnóstico dos filhos foi um choque. "Quando você descobre a síndrome de Hunter, o médico logo avisa: 'Não procure na internet, porque você vai encontrar os piores casos e vai ficar muito desanimado'." "Mas, como qualquer pessoa, você procura e pensa: 'Meu Deus, é isso que vai acontecer com meus dois filhos?'" As crianças nasceram aparentemente saudáveis, mas começam a mostrar sinais da doença por volta dos dois anos. Os sintomas variam e podem incluir mudanças nos traços físicos, rigidez nos membros e baixa estatura. A síndrome de Hunter pode afetar o corpo inteiro, incluindo o coração, fígado, ossos e articulações e, nos casos mais graves, provoca comprometimento mental severo e declínio neurológico progressivo. A síndrome de Hunter ocorre quase sempre em meninos. É extremamente rara: atinge 1 em cada 100 mil nascimentos masculinos no mundo. Até agora, o único medicamento disponível era o Elaprase, que custa cerca de £300 mil (cerca de R$ 2,1 milhões) por paciente ao ano e ajuda a desacelerar os efeitos físicos da doença. O remédio não atravessa a barreira hematoencefálica e, por isso, não age sobre os sintomas cognitivos. Mas naquele dia, porém, Chu foi ligado a uma máquina para retirar algumas de suas células — o primeiro passo para tentar interromper seu distúrbio genético nesse tratamento único. "O sangue dele passa por uma máquina avançada que coleta um tipo específico de célula, a célula-tronco, que será enviada a um laboratório para ser modificada e depois devolvida a ele", explica a hematologista pediátrica Claire Horgan. As células de Oliver Chu são modificadas Como a terapia genética trata a síndrome de Hunter (MPS II) BBC As células de Chu são embaladas com cuidado e enviadas a um laboratório do Great Ormond Street Hospital, em Londres. Na síndrome de Hunter, uma falha genética faz com que as células não tenham as instruções para produzir a enzima iduronato-2-sulfatase (IDS), essencial para quebrar grandes moléculas de açúcar que, com o tempo, se acumulam em tecidos e órgãos. Cientistas inserem o gene IDS ausente em um vírus que teve seu material genético removido para não causar doença. Um método semelhante já foi usado em outras terapias genéticas, como no tratamento de outra condição hereditária rara, a leucodistrofia metacromática (MLD). Karen Buckland, do Serviço de Terapia Celular e Genética do Great Ormond Street Hospital, explica: "Usamos a estrutura do vírus para inserir uma cópia funcional do gene defeituoso em cada uma das células-tronco. "Quando elas voltarem para Chu, devem repovoar a medula óssea e começar a produzir novos glóbulos brancos, e cada um deles deverá, esperamos, produzir a proteína [enzima] que falta no organismo dele." Ainda resta o desafio de fazer a enzima chegar ao cérebro em quantidade suficiente. Para resolver isso, o gene inserido é modificado para que a enzima produzida atravesse a barreira hematoencefálica com mais eficiência. Dia da infusão – Fevereiro de 2025 Voltamos a encontrar Chu no centro de pesquisas clínicas do Hospital Infantil Royal Manchester. Desta vez ele está com a mãe, Jingru; Ricky ficou na Califórnia para cuidar de Skyler. Há um clima de expectativa quando um integrante da equipe de pesquisa abre um grande tanque metálico de criopreservação onde estão congeladas as células-tronco de Chu, modificadas geneticamente e trazidas de volta do Great Ormond Street Hospital. Uma pequena bolsa transparente de infusão é retirada e aquecida lentamente, até chegar à temperatura corporal, em uma bandeja com líquido. Depois de várias checagens, uma enfermeira transfere o fluido, que contém cerca de 125 milhões de células-tronco modificadas, para uma seringa. Oliver Chu está acostumado a hospitais, mas se agita enquanto a enfermeira injeta o tratamento, equivalente a um copo cheio, no cateter instalado em seu peito. Jingru o segura firme nos braços. Após dez minutos, a infusão termina. Uma hora depois, uma segunda infusão, idêntica, é aplicada. Chu segue vendo desenhos em uma tela portátil, alheio ao possível impacto do que acaba de acontecer. E é isso. A terapia genética está concluída. O procedimento parece rápido, mas a ambição é enorme: deter o avanço da doença progressiva de Chu com um tratamento único. Depois de alguns dias, Chu e Jingru voam de volta à Califórnia. Agora, a família e a equipe médica precisam esperar para saber se a terapia funcionou. Sinais iniciais de progresso – Maio de 2025 Os pais, Jingru e Ricky, esperam que a terapia inovadora esteja disponível no futuro para o irmão mais velho de Oliver, Skyler BBC Em maio, Chu retorna a Manchester para exames decisivos que vão indicar se a terapia genética está funcionando. Desta vez, a família inteira o acompanha. Nos encontramos em um parque no centro da cidade, e fica claro de imediato que há motivos para otimismo. Chu está mais ativo e curioso do que eu o havia visto antes. É verdade que agora ele tem liberdade para brincar e está fora do hospital, mas parece mais disposto e saudável. Ricky não esconde a alegria: "Ele está indo muito bem. Vimos avanços na fala e na mobilidade. Em apenas três meses ele amadureceu." A grande novidade é que Chu pôde suspender as infusões semanais da enzima que lhe faltava. "Quero me beliscar toda vez que digo às pessoas que o Chu está produzindo a própria enzima", diz Jingru. "Sempre que falamos sobre isso, dá vontade de chorar, porque é simplesmente maravilhoso." Ela conta que ele está "muito diferente" de antes do tratamento, fala "um montão" e interage mais com outras crianças. Também é um prazer conhecer Skyler, de cinco anos, carinhoso e protetor com o irmão mais novo. "Meu pedido à estrela é para que o Skyler possa receber o mesmo tratamento", diz Ricky. "Parece que o Chu ganhou um recomeço na vida, e eu quero isso também para o Skyler, mesmo ele sendo um pouco mais velho." Inicialmente se pensava que Chu já estivesse fora da faixa etária do ensaio clínico, porque o tratamento não reverte danos já instalados. Mas exames mostraram que ele ainda estava pouco afetado. Skyler demonstra encanto com o mundo à sua volta e logo quer segurar minha mão e conversar enquanto caminhamos até o parque. Ricky explica que o filho tem atraso no desenvolvimento da fala e das habilidades motoras, mas passa por terapia de infusão, que leva o tratamento ao corpo, mas não ao cérebro. 'Eternamente gratos' Oliver Chu retorna a Manchester a cada três meses para alguns dias de exames de acompanhamento. No fim de agosto, novas análises confirmam que a terapia genética está funcionando. Chu demonstra vitalidade e, até agora, já completou nove meses desde o tratamento. O professor Jones, chamado de Papai Noel por Chu por causa da barba branca, está radiante. "Antes do transplante, Ollie [Chu] não produzia nenhuma enzima. Agora, ele produz centenas de vezes a quantidade normal. Mais importante: vemos que ele está melhorando, aprendendo, adquirindo novas palavras e habilidades, e se movimenta com muito mais facilidade." Ainda assim, Jones adota cautela. "Precisamos ter cuidado e não nos deixar levar pela empolgação, mas as coisas estão tão boas quanto poderiam estar neste momento." No jardim do terraço do hospital, Chu brinca com o pai. "Ele parece uma criança completamente diferente. Corre para todos os lados, não para de falar", diz Ricky. "O futuro do Chu parece muito promissor, e esperamos que isso permita que mais crianças recebam o tratamento." Ao todo, cinco meninos participam do ensaio clínico, vindos dos EUA, Europa e Austrália. Nenhum é do Reino Unido, porque os pacientes britânicos foram diagnosticados tarde demais para se qualificar. Todos os participantes serão monitorados por pelo menos dois anos. Se o ensaio tiver sucesso, o hospital e a universidade pretendem firmar parceria com outra empresa de biotecnologia para obter a licença de tratamento. Jones afirma que a mesma abordagem está sendo aplicada a outros distúrbios genéticos. Há tratamentos semelhantes em teste, em Manchester, para MPS tipo 1, ou síndrome de Hurler, e MPS tipo 3, ou síndrome de Sanfilippo. Ricky e Jingru dizem ser "eternamente gratos" à equipe de Manchester por permitir que Chu participasse do ensaio. Eles afirmam estar impressionados com o avanço do filho nos últimos meses. Oliver agora produz a enzima que faltava, e seu corpo e cérebro estão saudáveis. "Não quero comemorar antes da hora, mas sinto que deu muito, muito certo", diz Ricky. "A vida dele já não é dominada por agulhas e visitas ao hospital. A fala, a agilidade e o desenvolvimento cognitivo melhoraram de forma drástica. "Não é apenas uma curva lenta e gradual conforme ele cresce, é uma curva que disparou de forma exponencial desde o transplante." O ensaio que quase não aconteceu "Eu andaria até o fim do mundo, de costas, de frente, de cabeça para baixo, descalço, para garantir que meus filhos tenham um futuro melhor", diz Ricky BBC Pesquisadores da Universidade de Manchester, liderados pelo professor Brian Bigger, passaram mais de 15 anos desenvolvendo a terapia genética para a síndrome de Hunter. Em 2020, a universidade anunciou uma parceria com a pequena empresa de biotecnologia americana Avrobio para conduzir um ensaio clínico. Mas, três anos depois, a empresa devolveu a licença à universidade, após resultados insatisfatórios de outro estudo de terapia genética e falta de recursos. O ensaio pioneiro em humanos, que em breve ajudaria Oliver Chu, ficou em risco antes mesmo de começar. Jones conta: "Tivemos que agir rapidamente para tentar salvar a ideia, encontrar outro patrocinador e outra fonte de financiamento." Foi então que a instituição britânica de pesquisa médica LifeArc entrou em cena, fornecendo £2,5 milhões (cerca de R$ 17,5 milhões). A CEO Sam Barrell disse: "Um grande desafio para os mais de 3,5 milhões de pessoas no Reino Unido que vivem com doenças raras é ter acesso a tratamentos eficazes. Atualmente, 95% das condições não têm nenhum." A família Chu se sente aliviada pelo ensaio não ter sido interrompido e agora espera que Skyler, irmão de Chu, também possa se beneficiar da mesma terapia genética no futuro. "Eu andaria até o fim do mundo, de costas, de frente, de cabeça para baixo, descalço, para garantir que meus filhos tenham um futuro melhor", diz Ricky. Reportagem adicional de Nat Wright e Brijesh Patel
O menino de 3 anos que surpreendeu médicos ao superar condição rara grave com terapia genética pioneira
Escrito em 25/11/2025
Família de MS luta para conseguir remédio para criança com síndrome de hunter O garoto Oliver Chu, de três anos, surpreendeu médicos com sua recuperação após se tornar o primeiro paciente no mundo com síndrome de Hunter, uma doença devastadora, a receber uma terapia genética inovadora. A síndrome de Hunter (ou MPS II) é uma condição rara e hereditária que causa danos progressivos ao cérebro e outras partes do corpo. Nos casos mais graves, pacientes não costumam sobreviver além dos 20 anos, e os efeitos da síndrome são comparados a uma forma de demência infantil. Oliver Chu é o primeiro de cinco meninos no mundo a receber o tratamento Arquivo Pessoal Antes do tratamento, Chu não produzia uma enzima essencial para a saúde das células devido a um gene defeituoso. Mas equipes médicas em Manchester (Reino Unido) tentaram interromper o avanço da doença alterando as células de Chu por meio da terapia genética. O professor Simon Jones, que co-lidera o estudo, disse à BBC: "Esperei 20 anos para ver um menino como Chu progredindo tão bem, e é simplesmente emocionante." No centro desta história está Chu, o primeiro de cinco meninos no mundo a receber o tratamento, e a família dele, da Califórnia, que depositou sua confiança na equipe médica do Royal Manchester Children's Hospital. Um ano após o início da terapia, Chu aparenta se desenvolver normalmente. "Toda vez que falamos sobre isso eu quero chorar, porque é simplesmente incrível", diz a mãe, Jingru. A BBC acompanha a trajetória de Oliver Chu há mais de um ano, incluindo o desenvolvimento da terapia genética pioneira por cientistas no Reino Unido e os desafios financeiros que quase impediram o início do ensaio clínico. Remoção de células-tronco – Dezembro de 2024 A síndrome de Hunter ocorre quase sempre em meninos. É extremamente rara: atinge 1 em cada 100 mil nascimentos masculinos no mundo BBC Conhecemos Oliver Chu e seu pai, Ricky, em dezembro de 2024, no centro de pesquisas clínicas do Royal Manchester Children's Hospital. Era um dia importante. Desde o diagnóstico de síndrome de Hunter, em abril daquele ano, a rotina de Chu — e também a do irmão mais velho, Skyler, que tem a mesma condição — se resume a idas frequentes ao hospital. Skyler tinha apresentado atraso na fala e na coordenação, inicialmente associado ao fato de ter nascido durante a pandemia de covid. Ricky diz que o diagnóstico dos filhos foi um choque. "Quando você descobre a síndrome de Hunter, o médico logo avisa: 'Não procure na internet, porque você vai encontrar os piores casos e vai ficar muito desanimado'." "Mas, como qualquer pessoa, você procura e pensa: 'Meu Deus, é isso que vai acontecer com meus dois filhos?'" As crianças nasceram aparentemente saudáveis, mas começam a mostrar sinais da doença por volta dos dois anos. Os sintomas variam e podem incluir mudanças nos traços físicos, rigidez nos membros e baixa estatura. A síndrome de Hunter pode afetar o corpo inteiro, incluindo o coração, fígado, ossos e articulações e, nos casos mais graves, provoca comprometimento mental severo e declínio neurológico progressivo. A síndrome de Hunter ocorre quase sempre em meninos. É extremamente rara: atinge 1 em cada 100 mil nascimentos masculinos no mundo. Até agora, o único medicamento disponível era o Elaprase, que custa cerca de £300 mil (cerca de R$ 2,1 milhões) por paciente ao ano e ajuda a desacelerar os efeitos físicos da doença. O remédio não atravessa a barreira hematoencefálica e, por isso, não age sobre os sintomas cognitivos. Mas naquele dia, porém, Chu foi ligado a uma máquina para retirar algumas de suas células — o primeiro passo para tentar interromper seu distúrbio genético nesse tratamento único. "O sangue dele passa por uma máquina avançada que coleta um tipo específico de célula, a célula-tronco, que será enviada a um laboratório para ser modificada e depois devolvida a ele", explica a hematologista pediátrica Claire Horgan. As células de Oliver Chu são modificadas Como a terapia genética trata a síndrome de Hunter (MPS II) BBC As células de Chu são embaladas com cuidado e enviadas a um laboratório do Great Ormond Street Hospital, em Londres. Na síndrome de Hunter, uma falha genética faz com que as células não tenham as instruções para produzir a enzima iduronato-2-sulfatase (IDS), essencial para quebrar grandes moléculas de açúcar que, com o tempo, se acumulam em tecidos e órgãos. Cientistas inserem o gene IDS ausente em um vírus que teve seu material genético removido para não causar doença. Um método semelhante já foi usado em outras terapias genéticas, como no tratamento de outra condição hereditária rara, a leucodistrofia metacromática (MLD). Karen Buckland, do Serviço de Terapia Celular e Genética do Great Ormond Street Hospital, explica: "Usamos a estrutura do vírus para inserir uma cópia funcional do gene defeituoso em cada uma das células-tronco. "Quando elas voltarem para Chu, devem repovoar a medula óssea e começar a produzir novos glóbulos brancos, e cada um deles deverá, esperamos, produzir a proteína [enzima] que falta no organismo dele." Ainda resta o desafio de fazer a enzima chegar ao cérebro em quantidade suficiente. Para resolver isso, o gene inserido é modificado para que a enzima produzida atravesse a barreira hematoencefálica com mais eficiência. Dia da infusão – Fevereiro de 2025 Voltamos a encontrar Chu no centro de pesquisas clínicas do Hospital Infantil Royal Manchester. Desta vez ele está com a mãe, Jingru; Ricky ficou na Califórnia para cuidar de Skyler. Há um clima de expectativa quando um integrante da equipe de pesquisa abre um grande tanque metálico de criopreservação onde estão congeladas as células-tronco de Chu, modificadas geneticamente e trazidas de volta do Great Ormond Street Hospital. Uma pequena bolsa transparente de infusão é retirada e aquecida lentamente, até chegar à temperatura corporal, em uma bandeja com líquido. Depois de várias checagens, uma enfermeira transfere o fluido, que contém cerca de 125 milhões de células-tronco modificadas, para uma seringa. Oliver Chu está acostumado a hospitais, mas se agita enquanto a enfermeira injeta o tratamento, equivalente a um copo cheio, no cateter instalado em seu peito. Jingru o segura firme nos braços. Após dez minutos, a infusão termina. Uma hora depois, uma segunda infusão, idêntica, é aplicada. Chu segue vendo desenhos em uma tela portátil, alheio ao possível impacto do que acaba de acontecer. E é isso. A terapia genética está concluída. O procedimento parece rápido, mas a ambição é enorme: deter o avanço da doença progressiva de Chu com um tratamento único. Depois de alguns dias, Chu e Jingru voam de volta à Califórnia. Agora, a família e a equipe médica precisam esperar para saber se a terapia funcionou. Sinais iniciais de progresso – Maio de 2025 Os pais, Jingru e Ricky, esperam que a terapia inovadora esteja disponível no futuro para o irmão mais velho de Oliver, Skyler BBC Em maio, Chu retorna a Manchester para exames decisivos que vão indicar se a terapia genética está funcionando. Desta vez, a família inteira o acompanha. Nos encontramos em um parque no centro da cidade, e fica claro de imediato que há motivos para otimismo. Chu está mais ativo e curioso do que eu o havia visto antes. É verdade que agora ele tem liberdade para brincar e está fora do hospital, mas parece mais disposto e saudável. Ricky não esconde a alegria: "Ele está indo muito bem. Vimos avanços na fala e na mobilidade. Em apenas três meses ele amadureceu." A grande novidade é que Chu pôde suspender as infusões semanais da enzima que lhe faltava. "Quero me beliscar toda vez que digo às pessoas que o Chu está produzindo a própria enzima", diz Jingru. "Sempre que falamos sobre isso, dá vontade de chorar, porque é simplesmente maravilhoso." Ela conta que ele está "muito diferente" de antes do tratamento, fala "um montão" e interage mais com outras crianças. Também é um prazer conhecer Skyler, de cinco anos, carinhoso e protetor com o irmão mais novo. "Meu pedido à estrela é para que o Skyler possa receber o mesmo tratamento", diz Ricky. "Parece que o Chu ganhou um recomeço na vida, e eu quero isso também para o Skyler, mesmo ele sendo um pouco mais velho." Inicialmente se pensava que Chu já estivesse fora da faixa etária do ensaio clínico, porque o tratamento não reverte danos já instalados. Mas exames mostraram que ele ainda estava pouco afetado. Skyler demonstra encanto com o mundo à sua volta e logo quer segurar minha mão e conversar enquanto caminhamos até o parque. Ricky explica que o filho tem atraso no desenvolvimento da fala e das habilidades motoras, mas passa por terapia de infusão, que leva o tratamento ao corpo, mas não ao cérebro. 'Eternamente gratos' Oliver Chu retorna a Manchester a cada três meses para alguns dias de exames de acompanhamento. No fim de agosto, novas análises confirmam que a terapia genética está funcionando. Chu demonstra vitalidade e, até agora, já completou nove meses desde o tratamento. O professor Jones, chamado de Papai Noel por Chu por causa da barba branca, está radiante. "Antes do transplante, Ollie [Chu] não produzia nenhuma enzima. Agora, ele produz centenas de vezes a quantidade normal. Mais importante: vemos que ele está melhorando, aprendendo, adquirindo novas palavras e habilidades, e se movimenta com muito mais facilidade." Ainda assim, Jones adota cautela. "Precisamos ter cuidado e não nos deixar levar pela empolgação, mas as coisas estão tão boas quanto poderiam estar neste momento." No jardim do terraço do hospital, Chu brinca com o pai. "Ele parece uma criança completamente diferente. Corre para todos os lados, não para de falar", diz Ricky. "O futuro do Chu parece muito promissor, e esperamos que isso permita que mais crianças recebam o tratamento." Ao todo, cinco meninos participam do ensaio clínico, vindos dos EUA, Europa e Austrália. Nenhum é do Reino Unido, porque os pacientes britânicos foram diagnosticados tarde demais para se qualificar. Todos os participantes serão monitorados por pelo menos dois anos. Se o ensaio tiver sucesso, o hospital e a universidade pretendem firmar parceria com outra empresa de biotecnologia para obter a licença de tratamento. Jones afirma que a mesma abordagem está sendo aplicada a outros distúrbios genéticos. Há tratamentos semelhantes em teste, em Manchester, para MPS tipo 1, ou síndrome de Hurler, e MPS tipo 3, ou síndrome de Sanfilippo. Ricky e Jingru dizem ser "eternamente gratos" à equipe de Manchester por permitir que Chu participasse do ensaio. Eles afirmam estar impressionados com o avanço do filho nos últimos meses. Oliver agora produz a enzima que faltava, e seu corpo e cérebro estão saudáveis. "Não quero comemorar antes da hora, mas sinto que deu muito, muito certo", diz Ricky. "A vida dele já não é dominada por agulhas e visitas ao hospital. A fala, a agilidade e o desenvolvimento cognitivo melhoraram de forma drástica. "Não é apenas uma curva lenta e gradual conforme ele cresce, é uma curva que disparou de forma exponencial desde o transplante." O ensaio que quase não aconteceu "Eu andaria até o fim do mundo, de costas, de frente, de cabeça para baixo, descalço, para garantir que meus filhos tenham um futuro melhor", diz Ricky BBC Pesquisadores da Universidade de Manchester, liderados pelo professor Brian Bigger, passaram mais de 15 anos desenvolvendo a terapia genética para a síndrome de Hunter. Em 2020, a universidade anunciou uma parceria com a pequena empresa de biotecnologia americana Avrobio para conduzir um ensaio clínico. Mas, três anos depois, a empresa devolveu a licença à universidade, após resultados insatisfatórios de outro estudo de terapia genética e falta de recursos. O ensaio pioneiro em humanos, que em breve ajudaria Oliver Chu, ficou em risco antes mesmo de começar. Jones conta: "Tivemos que agir rapidamente para tentar salvar a ideia, encontrar outro patrocinador e outra fonte de financiamento." Foi então que a instituição britânica de pesquisa médica LifeArc entrou em cena, fornecendo £2,5 milhões (cerca de R$ 17,5 milhões). A CEO Sam Barrell disse: "Um grande desafio para os mais de 3,5 milhões de pessoas no Reino Unido que vivem com doenças raras é ter acesso a tratamentos eficazes. Atualmente, 95% das condições não têm nenhum." A família Chu se sente aliviada pelo ensaio não ter sido interrompido e agora espera que Skyler, irmão de Chu, também possa se beneficiar da mesma terapia genética no futuro. "Eu andaria até o fim do mundo, de costas, de frente, de cabeça para baixo, descalço, para garantir que meus filhos tenham um futuro melhor", diz Ricky. Reportagem adicional de Nat Wright e Brijesh Patel